Dom Jaime emite nota sobre as eleições do dia 02 de outubro

Passados quatro anos, mais uma vez a população se prepara para exercer a cidadania pelas urnas. A campanha está chegando à reta final! Candidatos esforçam-se para atraírem a atenção do eleitor esperando destes o sufrágio nas urnas a fim de que possam servir ao bem comum. Contudo, nos dias atuais, percebe-se o total desinteresse e apatia por parte das pessoas quando o assunto é política e eleições. Isto acontece devido ao grande fosso que separa a sociedade das práticas políticas exercidas por quem deveria agir em benefício da coletividade.

Eu, na qualidade de Bispo e Pastor da Igreja de Cristo, que é presença viva e eficaz na Arquidiocese de Natal, sinto-me no dever evangélico de lançar luzes à nossa consciência como Comunidades de Fé que somos, e mais, como discípulos e missionários de Jesus Cristo, sobre tamanha responsabilidade que recai sobre cada um de nós. O Papa Francisco nos alerta: “Para o cristão, é uma obrigação envolver-se na política. Nós, cristãos, não podemos fazer como Pilatos: lavar as mãos. Não podemos! Devemos nos envolver na política, pois a política é uma das formas mais altas da caridade, porque busca o bem comum. Os leigos cristãos devem trabalhar na política. Você, então, dirá: Mas não é fácil, pois a política está muito suja. E, então, eu pergunto: A política está suja, por quê? Não será porque os cristãos se envolveram na política sem o espírito do Evangelho? Faço-lhe outra pergunta: É fácil dizer que a culpa é de outro. Mas, o que eu estou fazendo? É um dever trabalhar para o bem comum; é um dever do cristão!”

Decorre, portanto, da fé que professamos, o compromisso em trabalhar por um Brasil mais próspero, democrático, sem corrupção, socialmente igualitário, economicamente justo, ecologicamente sustentável, sem violência, discriminação, mentiras e com oportunidades iguais para todos. Somente conseguiremos esse sonho com a participação de todos nós, cidadãos e cidadãs brasileiros. E esta participação cidadã, plasmada nos valores da democracia, começa no município em que vivemos. Impõe-se, neste tempo que antecede o dia das eleições, refletirmos sobre a situação do município onde estabelecemos morada. Pois, as eleições municipais têm uma atração e uma força próprias pela proximidade dos eleitores com os candidatos e, acima de tudo, com a real situação das políticas públicas básicas que a maioria da população precisa, como saúde, educação, segurança, moradia, mobilidade, entre outras.

Nos últimos anos, temos assistido o quanto os mais pobres estão alijados dessas políticas públicas. Basta uma visita aos postos de saúde e hospitais públicos. Outra situação que denota a falta de compromisso com a vida humana reside na ausência de ações políticas voltadas para as camadas socialmente vulneráveis, especialmente, os idosos, as crianças, adolescentes e jovens. Tal situação contribui para que a cada novo processo eleitoral a população politicamente ativa, e que exerceu o sufrágio nas últimas eleições, sinta-se enganada e cada vez mais desiludida pelas promessas de campanhas não realizadas. 

Penso que, nos anos eleitorais, não deve a sociedade apenas votar, mas participar de forma organizada e ativa das discussões políticas, sendo também necessário que cada eleitor acompanhe após o pleito a trajetória dos políticos eleitos. Se não agirmos dessa forma, com certeza, passaremos mais alguns anos reclamando da violência que só aumenta, da falta de educação, da inexistência de saúde, da corrupção e de todos os males trazidos pela falta de informação e participação.

A oportunidade de concertação está posta, ao nosso alcance, através da participação ativa no processo eleitoral. É salutar que o eleitor procure informações a respeito dos candidatos e de seus partidos. Quem é candidato a um cargo político não caiu do céu: tem pai, mãe, família, formação, vida profissional etc. É indispensável assuntar se a história do candidato lhe confere compromisso com políticas públicas que defendam e promovam a dignidade da vida em todas as suas etapas: a inclusão dos pobres, das pessoas com deficiência, idosos, crianças e jovens, enfim, que promovam o bem estar para todos. O voto livre e soberano é, com toda certeza, a melhor arma para alcançarmos isso.

O bom político é ético e corajoso, por ter senso de justiça, ser coerente entre o discurso e a prática; é honesto, transparente e verdadeiro antes, durante e depois da campanha política; é defensor da vida e da dignidade da pessoa humana em todas as suas manifestações, desde a concepção até a morte natural; é humano e popular sem ser populista. Promove a justiça social priorizando ações governamentais que favoreçam a superação das desigualdades sociais e a qualidade de vida da comunidade; tem sensibilidade ecológica. Tem noção de sustentabilidade, e por isso, implementa políticas de preservação e recuperação do meio ambiente e de saúde pública, mesmo contrariando interesses imediatistas.

O bom político tem objetivos nobres. É um agente da transformação, desenvolve a economia gerando oportunidades para todos. Assume riscos com ousadia e criatividade; é inovador, mobilizador, envolvente. Toma iniciativas e sabe propor desafios e levantar bandeiras mobilizando a comunidade com entusiasmo; é estrategista. Tem boa visão de futuro e conhece o potencial das comunidades de seu município e da região. Sabe cercar-se de pessoas capazes e tecnicamente preparadas. 

O bom político é administrador. Sabe delegar e descentralizar. Sabe escolher seus colaboradores diretos a partir da competência profissional determinando, com clareza, o que cabe a cada um realizar e cobrando resultados. Busca e constrói parcerias com outras esferas de governo e com a sociedade. Tem capacidade de alavancar recursos. Não gasta além do que arrecada e não contrai dívidas exageradas; é alguém capaz de liderança. Busca na sociedade civil organizada oportunidades de parceria e cooperação, reconhecendo, assim, nos atores sociais, a capacidade de cogestão e controle social das políticas públicas de Estado.

Assim, caríssimos irmãos e irmãs, fica claro para todos nós, que a cidadania não se esgota no direito-dever de votar, mas se dá também no acompanhamento do mandato dos eleitos. Se quisermos transformar o Brasil, comecemos por transformar os municípios. As eleições, sem dúvida nenhuma, levadas a sério pelos protagonistas de todo esse processo – que somos nós mesmos – são um caminho para atingirmos essa meta. Confiamos que saberemos nos posicionar nesse processo. Sua participação ativa é necessária. Essa é a hora para darmos o testemunho de que somos cristãos comprometidos com o Evangelho e, de maneira especial, proclamar a razão de nossa fé nesse tempo de profunda crise pela qual passa o Brasil e a nossa frágil democracia.

Que Maria, a Mãe da Apresentação, nos tome pelas mãos, nos acompanhe e assista em tão eloquente ato de fé engajada: o exercício da cidadania pelo voto.
Natal, 22 de Setembro de 2016.

Dom Jaime Vieira Rocha

Arcebispo Metropolitano de Natal

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