Juízes autorizados a fazer intercâmbio entre tribunais
Às vésperas do início do recesso judicial, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou a criação de um programa que permite aos juízes solicitar transferências de suas comarcas de origem para atuar em outros tribunais do País por seis meses.
Especialistas ouvidos pelo Estadão afirmam que, embora um dos artigos do texto não autorize o pagamento espontâneo de gratificações, como o auxílio-moradia, ainda existem brechas para que os magistrados recebam os benefícios.
A resolução entrou em vigor no dia 24 dezembro, com a assinatura do presidente do CNJ, Luiz Fux, depois de ter sido aprovada pelo plenário em sessão extraordinária no dia 16 do mesmo mês. De acordo com o texto, o programa “Visão Global do Poder Judiciário” tem como objetivo “proporcionar a troca de experiências e de informações entre os membros do Poder Judiciário, promovendo o aperfeiçoamento, a modernização e a eficiência na prestação jurisdicional”.
Logo no primeiro capítulo da resolução, o CNJ determina que “a participação no programa não autoriza o pagamento de auxílio-moradia e de ajuda de custo”, exceto se “preenchidos os requisitos previstos em lei e/ou em ato normativo”.
A Lei Complementar nº 35 de 1979 define que os magistrados têm direito à ajuda de custo, para custear moradia, nas localidades em que não houver residência oficial. Além disso, atos normativos do próprio CNJ e do Conselho de Justiça Federal, de 2019, determinam que os juízes devem receber o benefício, caso exerçam suas funções fora do município onde residem – e não haja imóvel funcional disponível.
“A resolução não permite o pagamento de gratificações pelo simples fato de se participar do programa, mas elas não estão excluídas. Como, nesse caso, se está falando de uma transferência temporária do magistrado por interesse do próprio Poder Judiciário em fomentar a troca de conhecimentos entre diferente órgãos, é possível que estas gratificações venham a ser pagas aos magistrados enquanto participarem do programa”, afirma Wallace Corbo, doutor em direito público e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Segundo o texto, os magistrados seguem vinculados ao tribunal de origem, que permanecerá responsável pelos gastos com seus profissionais, assim como terá que arcar com eventuais custos “adicionais ou vantagens pecuniárias a que o magistrado faça jus”. O CNJ defende o programa como forma de estimular na magistratura o conhecimento sobre a realidade jurídica em todo País e integrar os tribunais brasileiros, como foco no compartilhamento de projetos com soluções “eficazes e inovadoras”.
Para o professor de direito constitucional Rubens Baçek, da Universidade de São Paulo (USP), a redação do texto que instituiu o programa abre margem para que os magistrados reivindiquem benefícios durante a temporada em outras comarcas. “[O CNJ]Está mais que autorizando o pagamento das diárias (gratificações). Do modo como está colocado na resolução, o efeito é garantir ao CNJ o direito de negar as diárias quando ocorrerem questionamentos específicos a respeito da existência de imóvel em nome do magistrado no local de destino, mas autorizar os benefícios como regra geral”, afirma.
Em nota enviada ao Estadão, a secretária-geral da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Juliana Marques, afirma que a resolução colabora para a integração do Poder Judiciário. Segundo a AMB, o intercâmbio de magistrados pode colaborar para suprir “deficiências e desigualdades na distribuição de recursos humanos” na magistratura. A entidade de classe defende que o ato não prevê pagamentos de benefícios extraordinários aos juízes.
“O ato normativo não autoriza o recebimento de qualquer vantagem excepcional pelos magistrados, nem imporá custos extras aos cofres públicos; pelo contrário, a disseminação de boas práticas trará mais equilíbrio à prestação jurisdicional como um todo”, diz a nota.
Mestre em direito pela USP e professor da Universidade Católica de Brasília, Caio Morau, diz que a resolução deixa brechas para os pagamentos. “Existe um espaço para que o magistrado tente servir em outro tribunal e peça auxílio-moradia, ou qualquer outro tipo de ajuda de custo”, afirma.
Questionado pela reportagem, o CNJ destacou o artigo que menciona a não autorização de pagamentos de auxílios e afirmou que o programa não obriga os tribunais a pagar diárias para juízes oriundos de outros estados. O Conselho ainda menciona que a resolução “não prevê a criação de rubricas e nem pagamento de valores aos magistrados que aderirem ao programa”.
À reportagem, o CNJ afirmou que a decisão de enviar ou não magistrados para outros Estados cabe à administração de cada tribunal, já que não há regras na resolução para impedir desfalques. “É papel dos tribunais, no exercício das suas autonomias asseguradas constitucionalmente, decidirem considerando a realidade de cada comarca e de seus quadros de magistrados”, afirmou.
A resolução editada pelo CNJ impõe poucas condições para que os magistrados façam parte do programa, como a ausência de punições nos últimos 12 meses e a autorização dos tribunais anfitrião e de origem para sua participação no programa. Para Morau, o ato normativo falhou ao não definir critérios para impedir falta de juízes em comarcas menores.
“A resolução foi omissa nesse ponto (déficit de magistrado). O texto diz que para que o magistrado saia do seu tribunal de origem e vá para o anfitrião precisa haver a concordância de ambos os tribunais, só que não faz nenhuma ressalva para que seja respeitada a proporcionalidade”, avalia.
Fonte: Estadão