Escritora Mary del Priore faz elogios ao FLIN

Não, meus amigos, não vou falar de Papai Noel ou do pinheiro com bolinhas. E, sim, da cidade de Natal, no Rio Grande do Norte, de onde acabo de chegar. Fui participar da terceira edição do Festival Literário da cidade. Uma festa em torno dos livros de ficção e não ficção. A capital do estado possui 900 mil habitantes e se estira preguiçosa e ensolarada, entre o estuário do rio Potengi e o mar cor de turquesa. Paisagem, aliás, que esse patrimônio nacional que foi Luiz da Câmara Cascudo apreciava da janela de sua biblioteca, na Ribeira, onde dormem gostosamente milhares de documentos sobre sua vida e obra.

O FLIN é obra de um prefeito, Carlos Eduardo Alves, ligado nas coisas da cultura e da história, um secretário de cultura, Dácio Galvão, afinado com os movimentos literários mais recentes e uma gente calorosa e simpática. Gostar de livros é tradição antiga entre os políticos natalenses. Aluysio Alves, que levou eletricidade ao estado nos anos 60, foi grande editor nos anos 70 e 80! Assim, é impossível não ser feliz em Natal!

O festival reuniu Gilberto Gil, os poetas Antonio Cícero e Eucanaã Ferraz, Affonso Romano de Santana, entre outros. “Profissional do entusiasmo” que sou, fui falar de nossa disciplina. De como reinventá-la, de como mantê-la viva, de como animar os jovens professores. Fui contar das dificuldades que temos no nosso dia a dia como docentes ou pesquisadores, mas, também, dos bons resultados quando não desistimos de bater tambores e lembrar, a todos os brasileiros, que temos passado. E, que esse passado, faz parte do nosso hoje, do nosso “aqui e agora”! Que ele se cola a nossa pele. Mais: que é importante conhecer o ontem, para transformar o amanhã. Sobretudo se nossa voz se mistura aquela dos poetas, dos músicos, dos ficcionistas.

No palco, tive a feliz companhia de um jovem professor da UFRGN, Francisco Santiago, e de um jornalista de renome, Cassiano Arruda Câmara. Que bom momento para falar de arquivos, biografias, romance histórico e, sobretudo, da “cozinha do historiador”. Houve muitas perguntas sobre como interrogamos os documentos, as surpresas e decepções com as leituras, as dificuldades em escrever… Todos sabemos que o prazer é coisa misteriosa e que, aquele que tiramos de uma conversa gostosa, se deve a bem pouca coisa: um clima de conivência rapidamente estabelecido, uma confidência inesperada, um sorriso roubado.

Uma boa conversa também tem seus não ditos, seus silêncios. Isso, tanto vale para os vivos quanto para os mortos. Pois, como bem disse Robert Darnton, “fazer história e conversar com eles”. Respondi, falando sobre esse prazer! Sobre de como fazer uma história menos arrogante, que produza verdades mais modestas, pois não há mais certezas. Respondi dizendo que é mais importante evocar, do que provar ou demonstrar. E insisti: a história está no gerúndio: “se fazendo”. E, por cada um de nós.

Muito bom foi estar com os jovens historiadores e professores, entre os quais conheci seminaristas que, à luz dos ensinamentos do Papa Chico, querem dialogar com história. Fazer uma nova história da Igreja, não apenas no papel, mas, sobretudo, nos atos. O sorriso de todos ali reunidos, a alegria em estarmos juntos é, para mim, uma prova viva de que a História quer mudanças, quer se reinventar, escapar das fórmulas prontas. Os alunos querem maior liberdade para se lançar em temas que não são necessariamente aqueles dos seus orientadores. Já professores estão desanimados pelo clima que se instalou nos Departamentos: falta de recursos, desinteresse das autoridades, falta de perspectivas. Enfim, o momento é para reflexão, mas, não, para desânimo. Nossa tarefa, “educar”, não é dar um bem definitivo, mas, despertar disposições. Nisso temos que nos engajar.

A História e os historiadores têm hoje seu lugar na cena intelectual e literária brasileira. Se estamos na época da comunicação, por que não valorizar a “transmissão”? Transmissão que, graças à História, nos convide a passar o sentido das heranças, dos valores, do saber fazer e das idéias. Tudo o que Câmara Cascudo já fazia. Tudo de bom que encontrei em Natal! – Texto de Mary del Priore.

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