Um poeta tímido; por Heverton de Freitas

Algumas vezes tive o sortilégio de trocar algumas ideias com Antonio Cícero. Frequentador contumaz dos festivais de literatura promovidos pela Prefeitura do Natal, Cícero era daquelas pessoas que transbordavam uma aura de bondade e humildade.

Autor de letras conhecidíssimas da MPB, era um poeta maior, com uma obra densa e ideias vanguardistas. Se a vida profissional me permitiu alguns momentos de alegria e prazer, alguns deles foram em bares e restaurantes, em Natal ou no Rio de Janeiro onde, por trás de sua timidez, surgiam ideias de mesas e temas de debates a serem trazidos ao Flin, o Festival Literário de Natal.

Hoje, amanheci com a notícia da sua passagem. Tão inesperada que só então me dei conta que há faziam 10 anos da sua vinda ao festival ao lado de Eucanaã Ferraz para falar da poesia.

Como esquecer também a noite em que fez o pocket show com Marina intercalando a música com a leitura de poesias e o papo sobre a vida de ambos na juventude e adolescência.

Antonio Cícero não morre, já que se imortalizou ao entrar na Academia Brasileira de Letras. Como ele mesmo disse em seu discurso de posse citando Horácio :

Erigi monumento mais duradouro que o bronze,

mais alto do que a régia construção das pirâmides que nem a voraz chuva,

nem o impetuoso Áquilo,

nem a inumerável série dos anos,nem a fuga do tempo poderão destruir.

Fica na poesia de Cícero, o sentimento cada vez mais crescente sobre a necessidade de aproveitar cada momento da vida nesta rápida passagem.

Presente


Por que não me deitar sobre este
gramado, se o consente o tempo,
e há um cheiro de flores e verde
e um céu azul por firmamento
e a brisa displicentemente
acaricia-me os cabelos?
E por que não, por um momento,
nem me lembrar que há sofrimento
de um lado e de outro e atrás e à frente
e, ouvindo os pássaros ao vento
sem mais nem menos, de repente,
antes que a idade breve leve

cabelos sonhos devaneios,
dar a mim mesmo este presente?

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